Ciência & cultura, ciência & arte, ciência & política, ciência & sociedade, ciência & não-ciência... enfim: ciência & crítica

sábado, 2 de abril de 2011

História da força, da simpatia mágica à física quântica

"Conceitos de força:
estudo sobre os fundamentos da dinâmica"
Max Jammer
Editora Contraponto (2011)
Muitos conceitos científicos têm raízes na não-ciência. O de força é um dos mais interessantes, pois sua "genealogia" pode ser traçada até às noções de simpatia da magia ocidental medieval e da filosofia grega antiga - que é justamente de onde veio o termo "simpatia" com o significado usado na magia, de princípio intermediador de influências entre partes distantes do mundo.

O que me atraiu neste livro foi o fato de um assunto assim estar sendo tratado por um autor notoriamente amante da precisão, que sustenta suas afirmações com uma profusão de referências e que possui grande conhecimento de física e de filosofia e história da ciência. E mais, que não restringe a história da ciência à ciência como a conhecemos hoje, mas faz questão de destrinchar suas raízes pré-científicas.

É claro que isso não significa que os conceitos científicos atuais possam ser identificados com noções esotéricas e místicas, como querem muitos "novaeristas" modernos. Isso seria ignorar todas as transformações que os conceitos sofreram ao longo da história! Simplesmente significa reconhecer o óbvio: que a origem da ciência está na não-ciência.

Na verdade, este foi o primeiro livro que fez uma análise histórica abrangente e uma investigação crítica do conceito de força na física, segundo o próprio Max Jammer. Foi publicado pela primeira vez em 1957 e teve sucessivas revisões pelo autor (muita coisa aconteceu na física de lá para cá!). Faz parte de uma série de quatro livros semelhantes, sendo os outros sobre espaço, simultaneidade e massa. A tradução do primeiro para o português já foi publicada pela Contraponto e as dos dois últimos o serão em breve.

A análise vem desde as antigas culturas egípcia e mesopotâmica e chega até a física moderna. Há tanta ênfase na fase pré-científica como na científica - Newton, autor do conceito de força como entendemos hoje na física, aparece apenas no capítulo 8. O nível é um pouco elevado. Jammer costuma escrever para físicos. De fato, os últimos capítulos contêm até equações diferenciais - mas a primeira metade do livro é muito mais acessível para quem não é físico. E, creio, extremamente interessante para quem se liga nesses assuntos.

Conteúdo:

1. A formação dos conceitos científicos
2. A concepção de força no pensamento da Antiguidade
3. O desenvolvimento do conceito de força na ciência grega
4. Conceitos de força na mecânica pré-clássica
5. A conceituação científica de força: Kepler
6. A "força" e a ascenção da mecânica clássica
7. O conceito newtoniano de força
8. O conceito de força nas interpretações teológicas da mecânica newtoniana
9. Dinamismo: Leibniz, Boscovich, Kant, Spencer
10. Teorias mecanicistas da força (gravitação)
11. A crítica moderna ao conceito de força
12. O conceito de força na ciência contemporânea

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Pré-História da Informática: a era dos KB

Vocês conseguem se imaginar jogando vídeo-game num microcomputador de apenas 48 KB? Pois esse bichinho ao lado era capaz de fazer isso. E com uma resolução de tela de 128 por 48 pontos. Esse é o DGT-100, dos primórdios dos microcomputadores brasileiros, no início dos anos 1980.

Foi meu primeiro micro e eu jogava até Galaxy Invaders nisso - ah, isso é um jogo antigo, em que havia um monte de naves me bombardeando e eu tinha que destrui-las. O computador original tinha apenas 16K, mas a gente era "metido a besta" e arranjou um com extensão de memória... E eu achava aquilo uma enormidade. "Nunca vamos conseguir encher essa memória inteira", pensava (hoje algumas páginas de Word já lotam tudo...).

"Disgo rídigo" K-7 - Reparem que a TV sobre dele é uma TV, mesmo. Em preto-e-branco. Você podia desligá-la do resto e assisti-la normalmente. Ao lado, há um gravador cassete (fitas magnéticas). As fitas Scotch faziam o papel de disco rígido... Tínhamos pilhas delas no armário. Levava minutos para ler um programinha de 1K.

O barulho que fazia quando o computador gravava os programas nas fitas era quase o mesmo da Internet antes da banda larga - lembram-se? "tchhh... nhóim...! krrrrrrr... tchhhh... nhóim...! krrrrr....." Impressora? Usávamos máquinas de escrever, dessas que hoje você vê em museu. Som? Apenas uma nota de cada vez.

Havia coisas mais toscas ainda, da linha TK. Vinha só o computadorzinho e você tinha que plugá-lo na sua própria TV, cuja tela piscava inteira toda vez que você escrevia uma letra.

Mas era impressionante o que se conseguia fazer com aquilo. Programinhas simples e criativos. Havia um "labirinto" genial chamado "Quest" que não tinha desenhos, apenas pequenas descrições em versos de onde você estava.

Os gringos não gostavam - Isso era na época da política de reserva de informática do Brasil, pela qual nosso país chegou até a receber sanções do governo dos Estados Unidos. Nós literalmente copiávamos as CPUs dos computadores deles e colocávamos outra carcaça em volta. O DGT-100 era igual ao TRS-80 de lá.

Talvez para não ficar igual ao deles, a cada vez que você apertava uma tecla do DGT-100, fazia um "pi!" agudo. Como eu digitava muito rápido, era um pipipipipipipipi sem parar que deixava todo mundo doido.

Podíamos abrir todos os programas! - Parecia tosco - e era -, mas havia algo muito legal: tínhamos acesso a tudo dentro da memória, inclusive a programação residente. Podíamos abrir os programas em Basic ou em linguagem de máquina para ver como funcionavam. Podíamos criar novos programas. Podíamos até ver o que acontecia se mudássemos alguma coisa na memória residente. Em geral, o computador travava, mas era só dar reboot que voltava ao normal.

Eu e meus amigos ficávamos fuçando novas comandos do Basic e quando descobríamos um novo íamos correndo contar uns para os outros, entusiasmados. Aprendi Basic assim. Fiz programinhas de toda espécie, de matemática, editores de texto, animações toscas e até um jogo-da-velha. Era divertidíssimo.

E não havia bugs, nem vírus. Quer dizer, bugs, só nos programas que a gente fazia. Hoje, é uma caixa preta. Ningúem sabe o que vem dentro desses aplicativos-Coca-Cola.

Enquanto isso, nas universidades... - Demorou para que essas coisinhas chegassem às instituições de ensino e pesquisa. Na UFPR, só em 1986, pelo que me lembro, já bem mais avançados que o DGT-100 acima. Antes, sequer tínhamos acesso aos computadores. Codificávamos os programas em cartões, perfurando-os com umas máquinas barulhentas dentro de uma sala barulhentíssima. Entregávamos para a moça no balcão e esperávamos uns dias para ver o resultado. Uns dias, sim, mesmo que fosse um exercício simples, tipo 2+2.

Voltávamos então ao balcão e a moça entregava um formulário contínuo - uma quantidade de páginas separadas por picote - com uma montanha de coisas incomprrensíveis escritas e, em algum ponto, o resutlado da conta ou então: "erro". Aí tínhamos que verificar o que podia estar errado, voltar à sala barulhenta, perfurar novos cartões e repetir o processo.

E pensar que foram à Lua desse jeito. Às vezes tenho a impressão de que temos obrigação de fazer muito mais, hoje...

quinta-feira, 31 de março de 2011

Revolução na rede elétrica: adeus, apagões?

Controle sua geladeira com seu iPad. Carregue seu carro elétrico no estacionamento do hotel. Veja quanto você está consumindo de energia em tempo real pela Internet. Estas são as partes mais visíveis de um novo conceito de sistema elétrico que está sendo implantado no mundo todo, inclusive no Brasil, as "redes elétricas inteligentes" ou Smart Grids.

Estive no evento de lançamento de um projeto brasileiro para implantação desse sistema - o ClimaGrid -, em dezembro passado em São Paulo. Escrevi uma matéria para a Ciência & Cultura. A ideia original é diminuir os riscos de apagões não apenas com o aumento da produção, mas com um gerenciamento melhor do consumo.

Não se trata de resumirmo-nos a conscientizar pessoas "como eu e você" para economizar - estratégia da polêmica Hora do Planeta da semana passada -, mas de um sistema mais eficiente baseado na informação. Por um lado, se as pessoas tiverem acesso em tempo real ao quanto consome cada aparelho seu em cada momento, teoricamente poderão gerenciar melhor seus gastos energéticos. Por outro, o próprio sistema elétrico terá muito mais flexibilidade para deslocar o fluxo de energia de um lado para outro para suprir demandas maiores aqui e ali - e assim evitar apagões.

Dá para ter uma ideia do que isso significa neste infográfico interativo do sistema de Évora, em Portugal (cidade onde já foi implantado). Nele, vê-se as três características principais do sistema: primeiro, a geração distribuída - a energia é produzida em pequenas unidades em inúmeros locais. Diminui o risco de um apagão geral.

Segundo, a chamada "distribuição virtal" - a energia é distribuída de modo análogo ao modo como a Internet distribui informação, sem "saber" onde ela é produzida ou consumida. No gráfico, você pode tirar e pôr casas e unidades geradoras solares e eólicas para ver como a distribuição se adequa automaticamente, evitando sobrecargas.

E, terceiro, a mobilidade elétrica: você pode carregar seu carro elétrico ou controlar eletrodomésticos e outros aparelhos à distância.

O Brasil mergulhou de cabeça e inovou com a inclusão de dados maciços sobre clima no sistema - é o ClimaGrid. Além disso, há diversos projetos em andamento - o governo está inclusive trocando os medidores comuns por "medidores inteligenetes", adaptados à nova rede. Empresas também estão gastando milhões para se adptarem.

Repare que para tudo isso o sistema gerencia quantidades maciças de dados sobre a vida das pessoas. Veja o que disse um funcionário da Siemens, Martin Pollock: que sua empresa tem hoje tecnologia para "inferir quantas pessoas estão na casa, o que fazem, se estão no andar de cima ou no de baixo, se têm cachorro, quando você normalmente acorda, quando toma banho".

Até as próprias empresas estão preocupadas com uma nova ameaça à privacidade, com medo de perder clientes. No fim das contas, o perigo é que o sistema avance mais rápido que as regulamentações legais consigam acompanhar. Já vimos esse filme na Internet. Lá vamos nós outra vez.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Os raios-X como você nunca viu

Você sabia que a estrutura do DNA foi descoberta com raios-X? Se você achava que esses raios só serviam para fazer imagens do interior do corpo para diagnósticos médicos, deve estar surpreso. Bom, eu já sabia, mas mesmo assim fiquei surpreso nos últimos meses, quando vi que o seu potencial vai ainda muito além disso.

O modo pelo qual James Watson e Francis Crick conseguiram vislumbrar a estrutura em hélice do DNA é bem diferente de tirar uma chapa de radiografia. Ao invés de ver os raios-X atravessarem o DNA, eles viram-no refletir nele. Quando raios-X refletem em alguma coisa, eles passam a carregar consigo informações sobre a estrutura íntima da matéria em que refletiram. É só saber interpretar. Esse método chama-se difração de raios-X. Em certas condições, é possível com ele identificar a própria posição de cada átomo.

Poderoso, não? Há mais. Outras técnicas com raios-X podem revelar informações do interior dos átomos e moléculas: as energias dos seus elétrons, ou então quantos átomos estão na vizinhança de um certo átomo, ou com que átomos ele está ligado, ou então o campo magnético de seus elétrons...

Cada método explora um jeito de os raios-X interagirem com a matéria: passando rasante, ou então arrancando elétrons, ou então interagindo com os campos magnéticos, ou sendo polarizados (sim, como a luz polarizada). Eles atendem por siglas "com X", como EXAFS, XANES, XPS, SAXS, XMCD etc... Boa parte do que se faz em laboratórios de física é esse tipo de estudo.

A utilidade de tudo isso vai muito além de estudar a estrutura de átomos e moléculas. Em certas condições, dá para descobrir a composição química de uma substância sem precisar fazer nenhuma reação química para isso. Mas o mais interessante é que, com essas informações, os cientistas podem montar um verdadeiro quebra-cabeças e descobrir novos fenômenos físicos desconhecidos, procurar explicações para fenômenos ainda misteriosos, construir novos materiais com propriedades inéditas (novos supercondutores, por exemplo!), fabricar nano-objetos (ou seja, objetos com apenas algumas poucas dezeanas de átomos de diâmetro - e a nova e efervescente área da nanociência) etc...

E, como se não bastasse, há também a astronomia de raios-X! Agora, ao invés de pesquisar o muito pequeno, vai-se para o muito grande. Nossos telescópios "a olho" mostram apenas o que a luz visível pode mostrar. Mas os astros emitem de tudo, inclusive raios-X. Muita coisa invisível pode se tornar visível com raios-X, incluindo buracos negros (não ele em si, mas a matéria que cai nele, que emite raios-X como num "canto do cisne" antes de mergulhar no seu destino fatal).

Bem, escrevi isto porque recentemente tive que fazer algumas entrevistas e ler alguns trabalhos científicos cheios de tais métodos (comentei um deles aqui; e outro neste texto mais técnico), o que me deixou deveras impressionado com a extensão das possibilidades desses raios-X. E quis dividir um pouco essa sensação com quem não é físico. Até a próxima...

terça-feira, 29 de março de 2011

A 1a. universidade brasileira: Rio x Paraná x Manaus x São Paulo

Quase todo mundo diz: "a primeira universidade do Brasil foi a do Rio de Janeiro, de 1920". Pelo menos, fora do Paraná, onde se fala que foi a UFPR, de 1912. No entanto, no Amazonas é a de Manaus, de 1909. Nos anais da história paulista, existe uma esquecida "Universidade de São Paulo" de... 1911. E agora...?

Encontrei um resumo da história das primeiras universidades brasileiras em uma nota de rodapé na página 32 da dissertação de mestrado de Luz Helena Toro de Sanchez, de 1996, pela Unicamp. Vejamos:

O que foi criado em 1909 foi a Escola Livre de Manaus, que passou a chamar-se Universidade de Manaus em 1912. No entanto, durou apenas até 1926, quando foi dissolvida em três unidades.

Antes que a de Manaus virasse universidade, foi criada em 1911 uma Universidade de São Paulo - que não tem nada a ver com a atual USP -, mas que também durou pouco. Pelas minhas contas, esta teria sido a primeira institução com o nome de universidade no país.

Já a Universidade do Paraná foi criada meses depois, já em 1912. Porém, em 1915, a Reforma Carlos Maxilmiliano impediu a existência de instituções de ensino superior em cidades com menos de 10 mil habitantes (!). Era o caso de Curitiba, e a universidade teve que ser dissolvida. Suas faculdades só voltaram a ser reunidas novamente em 1946. Nesse intermédio, criaram a do Rio, em 1920. Em 1950, a Universidade do Paraná foi federalizada e ganhou o nome de UFPR.

Os paranaenses consideram, então, que a verdadeira data de criação de sua universidade é 1912. E consideram a sua a primeira universidade brasileira ainda existente. Pode valer a pena também ver a versão de toda essa história contada no site da UFPR.

E a do Rio de Janeiro? Foi fundada em 1920 (na figura no início deste texto, aparece a fachada da sua Faculdade Nacional de Direito, em foto dos anos 1920). Não foi a primeira. Mas teve uma importância histórica crucial que comentarei a seguir.


Universidade, uma questão conceitual

O caso é que nem a do Rio nem as anteriores faziam jus ao título de "universidade" no conceito em que a comunidade acadêmica carioca então pensava. Isso porque eram apenas reuniões de faculdades isoladas. Uma universidade deveria ter um projeto integrado e deveria constituir um todo orgânico.

É aí que a do Rio teve um papel histórico crucial. A insatisfação da comunidade acadêmica do Rio desencadeou um debate sobre a formação de universidades no Brasil, iniciando um longo processo de discussões e experimentos que culminou na criação da USP, em 1932, da UnB, em 1964, e do campus da Unicamp em Barão Geraldo, em 1966, entre outras. Essas, sim, vieram de um projeto originalmente feito para uma universidade, que submetia ao princípio da organicidade a sua estrutura acadêmica, arquitetônica e urbanística.

Talvez se possa dizer que a USP foi a primeira universidade do Brasil formada desde o início com a ideia de uma instituição integrada.

Em tempo: A construção e evolução do conceito de universidade no Brasil e as tentativas sucessivas de sua implantação foram extremamente bem descritas no livro "O conceito de universidade no projeto da Unicamp", de Fausto Castilho (editora da Unicamp).

segunda-feira, 28 de março de 2011

O que havia antes do Big-Bang? Um buraco negro?

O jovem físico polonês Nikodem Poplawski acha que nosso Universo surgiu de dentro de um buraco negro. O Big-Bang seria, na verdade, uma expansão muito rápida na matéria do interior do buraco, iniciada quando a sua densidade estava altíssima. A expansão teria ultrapassado os limites do buraco negro original e agora cá estamos.

Maluquice? Ele não é nem de longe o único a especular sobre o que poderia ter havido antes do Big-Bang. Nos últimos anos, vem aparecendo uma grande quantidade de modelos teóricos novos sobre aquele imenso evento cósmico, cada um com uma visão diferente. Entre os cosmólogos, o Big-Bang já não é mais considerado o início da criação de tudo. Seria apenas um evento na história do Universo. Deve ter havido um antes, assim como está havendo um depois.

Há várias razões para a insatisfação dos físicos com o modelo atual, apesar de suas previsões concordarem extraordinariamente com as observações astronômicas. Uma das principais é que ele diz que, no "momento" do Big-Bang, há cerca de 13,6 bilhões de anos, a densidade de matéria e de energia do cosmo teriam sido infinitas. Ora, em princípio não deveriam existir infinitos na natureza! Grande parte das novas teorias tentam elimintar essa aberração de diferentes formas: desde pequenas alterações na teoria atualmente vigente até sua substitução total por paradigmas inteiramente diversos, que incluem até espaços com mais de três dimensões.


Como um buraco negro pode produzir um universo

Um buraco negro aparece quando uma estrela se contrai tanto sob a ação de sua própria gravidade que nem mesmo a luz é capaz de escapar dela. É que, quando mais densa, maior é a gravidade na sua superfície. Esse estágio extremo acontece no final do tempo de vida das estrelas mais massivas (o Sol não tem massa suficiente, então não terá esse destino).

Quando Poplawski aplicou as equações da relatividade alteradas para os buracos negros, ele viu que a contração do mesmo não vai a zero - e a massa não vai a infinito -, mas chega num valor mínimo, e depois começa subitamente a se expandir. Pouco antes e pouco depois desse momento, enorme quantidade de matéria é formada, juntamente com antimatéria. Se o buraco negro for grande o suficiente, ele pode produzir tanta ou mais massa que a existente no nosso universo (pelo menos, na parte dele que conseguimos ver nos telescópios), expandindo-se tal e qual o nosso está agora, como se a matéria tivesse sido lançadas ao espaço por um... Big-Bang.

É quase irresistível imaginar que essa poderia ser a origem do cosmo ao nosso redor - e que existiriam muitos outros universos por aí, muito além de até onde podem alcançar os mais poderosos telescópios, e cada um vindo de um grande buraco negro.

No seu último artigo sobre o assunto, publicado no ArXiv no último dia 22, ele calculou a massa que um buraco negro deveria ter para produzir um universo com uma massa igual à parte visível do nosso universo. Concluiu que nosso buraco-negro-mãe deveria ter sido 3 mil vezes mais massivo que o Sol. Isso é um buraco bem grande. É 90 vezes maior que os maiores buracos negros já detectados até agora.

O impacto da teoria de Poplawski na imprensa foi muito maior que na comunidade científica, certamente por casua do enorme glamour da possibilidade de nosso universo ter vindo de dentro de um buraco negro. Ela consegue dar conta de vários aspectos da teoria atual, às vezes de forma ainda mais elegante, mas ainda é muito qualitativa e está longe de se equiparar à capacidade do modelo vigente de concordar tão bem com o que se observa nos telescópios. O mesmo acontece com dezenas de outras concorrentes, em maior ou menor grau. Só o tempo dirá qual vencerá a corrida - se é que a vencedora será alguma das atualmente no páreo.

Mais sobre a teoria de Poplawski nesta matéria da Folha de S. Paulo de 24/20/2010 e nesta outra, de 11/04/2011.

domingo, 27 de março de 2011

Muito além da Hora do Planeta

Não participei da Hora do Planeta - a mobilização global promovida pela ONG WWF para apagarem as luzes de casa ontem à noite durante uma hora - porque para o meu caso não faria diferença nenhuma. Aliás, essa iniciativa global foi amplamente bombardeada na blogosfera cientifica brasileira (exemplos aqui, aqui e aqui, reunidos no Twitter @ciencianamidia, de Tatiana Nahas; vejam também os links dentro deles e os comentários).

Não concordo nem de longe com tudo o que foi dito nesses posts, mas gostaria de enfatizar um ponto em comum: que ações pontuais como essas - do modo como são feitas - podem servir mais como anestésico, um gerador de sensações de dever cumprido, do que para conscientizar quem quer que seja. Trata-se de um problema comum das comemorativas, de atos conscientizadores fugazes e coisas do tipo.

Claro que não são de todo ruins: contribuem para que as causas permaneçam na superfície da mente das pessoas e da mídia. Veja-se, por exemplo, a grande mudança de comportamento causada pelo racionamento de energia de 2001/2002. Hoje tudo foi esquecido e o desperdício parece ter voltado ao normal, em boa parte por pura falta de algo que lembrasse as pessoas - debates, eventos, anúncios. A diferença com o caso da reciclagem de lixo, que colou, é flagrante.

Mas há pelo menos três grandes dimensões prejudicadas por esse efeito "anestésico".

Primeira: o ideal seria que esses eventos fossem usados para que as pessoas começassem a fazer algo e não parassem mais. Não é para fazer algo simbólico na Hora do Planeta, é para começar a fazer algo concreto e não parar mais! Neste post sobre o Dia da Mulher, desenvolvo um pouco esse aspecto.

Segunda: é importante a mudança de comportamento individual, mas só isso não basta. Metade do problema ambiental é, na verdade, político. É por aí que passa a formulação de políticas públicas para enfrentar tais questões e é por aí que passa o enfrentamento dos lobbies tradicionais estabelecidos. No plano internacional, as dificuldades com a implementação do Protocolo de Quioto e com o estabelecimento de seu sucessor são bons exemplos.

Terceira: uma hecatombe ambiental não destruirá o planeta nem a biosfera, senhores (as extinções recentes são café pequeno para o que a Terra já passou). E nem mesmo a humanidade. Destruirá, isso sim, o modo de vida como o conhecemos. Mas, como tudo na vida, isso também é desigual. A destruição do estilo de vida já está acontecendo, em nível dramático, nas chamadas comunidades tradicionais. Alguns casos aparecem na mídia, como o dos quilombolas de Alcântara, ou alguns de atingidos por barragens, ou os pescadores do rio Madeira. Mas a maior parte é amplamente desconhecida e são tragados pelo desenvolvimento. Não só pela destruição de seus habitats. Guerras como as de Darfur e a da Palestina têm grande componente de escassez de recursos. O problema ambiental é, fundamentalmente, um problema humano.

"Justiça ambiental" e "Ecologia política" são boas expressões-chave para buscar abordagens e informações sobre essa terceira dimensão.

De qualquer forma, paradoxalmente, a Hora do Planeta serviu para intensificar um debate - este do qual participaram os três blogs que citei no começo, e também este texto. Que o debate continue e que a Hora do Planeta não tenha sido em vão.