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sexta-feira, 22 de abril de 2011

O poder do zero: experimentos que não encontram nada podem nos ensinar muito

Quando físicos encontram algo diferente em seus experimentos, pode dar notícia de jornal. Quando não encontram nada, bem... Também pode! Esta postagem do Igor Zolnerkevic no seu blog Universo Físico dá três exemplos recentes, um dos quais mereceu até menção no New York Times.

Resultados nulos podem causar revoluções - O caso mais famoso de resultado nulo para um experimento talvez seja o da experiência de Michelson-Morley, na década de 1880, que produziu nada menos que uma das principais bases empíricas da teoria da relatividade. Acreditava-se então que a luz era uma onda que se propagava em um meio material a que chamavam éter e que permearia todo o espaço em todos os seus interstícios. O experimento procurou detectar qual a velocidade da Terra em relação ao éter. O pano de fundo era uma incompatibilidade aparentemente insolúvel entre a mecânica e o eletromagnetismo. Um dos dois tinha que estar errado.

Para medir a velocidade da Terra em relação ao éter, observaram diferenças na velocidade da luz vindas de diferentes direções. Se a velocidade fosse maior numa direção, é que a Terra estaria se deslocando para lá - assim como a velocidade de um carro na estrada é maior em relação aos automóveis que vêm em sentido contrário. Mas... não encontraram diferença alguma para qualquer direção! Como poderia ser isso? Após excluírem algumas possibilidades, o resultado sustentou o "vencedor" para a queda-de-braço entre mecânica e eletromagnetismo: este último estava certo e a velha mecânica newtoniana teve que ser alterada, sendo substituída pela relatividade quando velocidades são muito grandes, próximas à da luz.

Claro que resultados nulos que desafiem teorias vigenetes podem ser apenas uma ilusão, um erro de experimento, uma coincidência. O terceiro exemplo do texto do Universo Físico trata disso, na área da astrofísica. O contrário também pode ser verdadeiro: achados extraordinários podem revelar-se, após uma análise mais cuidadosa, serem apenas variações estatísticas normais sem maiores significados. Disso trata o primeiro exemplo, sobre aparentes indícios de uma força física desconhecida. Ambas precisam de mais investigações para se tornarem conclusivas.

Para evitar essas armadilhas, foram desenvolvidas técnicas estatísticas sofisticadas de análise dos dados e também a necessidade de posturas muito cuidadosas. Não poucos cientistas que se entusiasmaram demais antes do tempo tiveram que aceitar calados um desmonte fulminante de suas esperanças. Isso pode ter acontecido recentemente na área da cosmologia com um dos maiores físicos da atualidade, Roger Penrose (vide os dois últimos parágrafos deste post). Outra controvérsia do tipo, sobre o efeito do acesso livre a artigos científicos sobre o número de citações dos mesmos, é comentada nos dois últimos parágrafos da primeira seção desta outra postagem. Mesmo nesses casos, os resultados aparentemente nulos nos ensinam sobre como aperfeiçoar os métodos científicos.

Resultados nulos podem aumentar o conhecimento - Resultados nulos podem também, paradoxalmente, nos fornecer informações a mais. Desse tipo é o segundo exemplo comentado no texto do Universo Físico, sobre a matéria escura. Já em outra postagem no Ciências e Adjacências, no final do texto, falo sobre um experimento para detectar os bósons de Higgs, partículas previstas pelo modelo teórico atual mas ainda nunca observadas. A teoria não diz qual deva ser sua massa, só sabemos que é grande demais para serem produzidos pelos aparelhos atuais. Pois eis que o dito experimento detectou... nada.

Não significa, porém, que o Higgs não exista. Ao invés, com esse experimento pôde-se prever sua massa de forma mais precisa. Como não se sabe sua massa, são feitos vários experimentos, supondo diferentes valores para ela. Cada vez que o bóson não é encontrado, aprendemos que, se existirem, eles não terão aquela massa procurada. Por exemplo, antes achava-se que a sua massa deveria estar entre 123 e 198 vezes a massa de um próton. O novo experimento conseguiu excluir a faixa entre 160 e 170 "prótons". E assim os resultados nulos vão aumentando nosso conhecimento que a teoria não é capaz de fornecer - pelo menos, o "conhecimento hipotético". Vai-se "fechando o cerco" ao bóson de Higgs.

P.S. - Os resultados nulos ou "negativos" de experimentos são tão importantes que o Roberto Takata me enviou os links de três periódicos científicos inteiramente dedicados a resultados negativos em Biologia e Ciências da Saúde:

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