Ciência & cultura, ciência & arte, ciência & política, ciência & sociedade, ciência & não-ciência... enfim: ciência & crítica

terça-feira, 19 de abril de 2011

Como saber o que houve antes do Big-Bang?

Escrevi para a última edição da revista Pré-Univesp um artigo sobre como os cientistas concluíram que houve um Big-Bang (quais as principais evidências) e como investigam o que pode ter havido antes (sim, há muitos cientistas pesquisando um hipotético "antes do Big-Bang"). Aqui vou complementá-lo falando sobre alguns métodos para se testar teorias alternativas ao modelo atual do Big-Bang, nas antes desse grade evento cósmico houve uma era infinita - o Universo não teria tido um começo.

Desde o fim dos anos 1990, estão surgindo várias teorias alternativas. Não que o Big-Bang possa nunca ter existido, pois as evidências são muito contundentes (ainda que existam uns poucos modelos científicos que tentam compatibilizar as evidêncais com a hipótese de que não tenha acontecido o Big-Bang). Essas teorias são espécies de refinamentos da teoria atual - prevêem um (ou mais) Big-Bang, mas os detalhes são bem diferentes.

Como testá-las para saber qual se adequa mais à realidade física observada? O principal tira-teima é a radiação cósmica de fundo. Ela chega à Terra vinda de todas as direções quase homogeneamente. A teoria diz que apareceu cerca de 380 mil anos após o Big-Bang, quando os átomos se formaram. Antes, a matéria era composta de partículas carregadas eletricamente, formando um conjunto opaco à luz; quando essas partículas se combinaram para formar átomos eletricamente neutros, a luz foi subitamente liberada. Como isso aconteceu em todos os pontos do espaço, ela vem de todas as direções (veja mais sobre ela neste artigo de Victória Flório na mesma edição da revista Pré-Univesp).

A radiação cósmica de fundo é também uma das principais evidências do próprio modelo do Big-Bang em si, pois cálculos detalhados previram a sua existência. Além disso, cálculos posteriores a partir de 1981 previram a distribuição estatística de pequeninas variações na sua frequência, o que foi também confirmado a partir de 1992.

E são essas variações, ou flutuações, que os cosmólogos escrutinam para ver se há indícios de que o modelo atual do Big-Bang (chamado tecnicamente Lambda-CDM) precisa ser revisto. Abaixo, um "mapa-múndi" do céu mostrando a distribuição da variação das frequências da radiação de fundo. Quanto mais vermelho, maior a frequência; quando mais azul, menor. O mapa é fruto de sete anos de observações feitas pela Sonda Wilkinson de Anisotropias de Microondas (WMAP), que se encontra em órbita do Sol, a 1,5 milhão de quilômetros da Terra.


Como saber o que aconteceu antes do Big-Bang

Boa parte das pesquisas em modelos alternativos dedica-se a encontrar padrões regulares nessas manchinhas. Em geral, conjuntos de círculos. Isso é uma atividade capciosa, pois todos sabem que, se olharmos muito para um monte de manchas, podemos ver qualquer coisa ali (aliás, você consegue enxergar alguma coisa especial nesse mapa acima?). Além disso, os padrões podem existir mesmo, mas podem ser ocorrências estatísticas normais (coincidências previsíveis). Aquele acúmulo de vermelhos à direita, por exemplo, significaria algo? Ou é só uma coincidência?

Por isso, são necessárias técnicas estatísticas sofisticadas para decidir se os padrões vistos são reais ou são apenas artefatos da mente humana, ou ainda se são ocorrências reais, mas sem significado estatístico.

Cada modelo prevê diversas estruturas nessas manchas que o modelo atual não prevê - e, por isso, os padrões podem ser usados para distinguir entre os modelos. Uma coisa interessante acontece nos modelos que dizem que Big-Bang não foi o começo de tudo, mas um grande evento cósmico no meio da história do Universo. Teria havido um antes e um depois, ambos infinitos no tempo. O cosmo teria, no passado remoto, se contraído, aí sofrido uma súbita inversão nesse movimento - um "ricochete" - e então passado a se expandir, estágio em que estamos atualmente (observa-se que os grupos de galáxias estão sistematicamente se afastando uns dos outros).

Alguns desses modelos prevêem que imensos eventos cataclísmicos na fase pré-Big-Bang, como colisões de buracos negros supermassivos, podem ter produzido ondas gravitacionais que sobreviveram ao Big-Bang e teriam gerado sutis ondas de choque circulares no Universo atual. Essas ondas teriam deixado marcas na radiação de fundo, na forma de conjuntos de círculos. No ano passado, um dos físicos mais famosos da atualidade, Roger Penrose, causou agitação no meio científico quando afirmou ter visto sinais de uma versão sua dessa teoria. No entanto, a interpretação de seus cálculos estatísticos foi contestada por outros pesquisadores e a situação continua controversa.

Na verdade, muitos círculos e outras figuras já foram vistos nesse mapa. No entanto, quase todos mostraram-se ou ilusões ou estatisticamente previsíveis. Há uns poucos inconclusivos. O problema é que aparentemente a precisão da tecnologia atual não é suficiente para enxergar detalhes além dos que o modelo atual já prevê. Mas é possível que num futuro próximo algo interessante emerja dessas manchinhas.
Veja também, neste blog: O que havia antes do Big-Bang? Um buraco negro? - sobre um dos modelos alternativos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário