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sexta-feira, 15 de abril de 2011

Ainda o vídeo de Hans Rosling em Joy of Stats

Convido os leitores que acompanharam as postagens sobre o vídeo do médico Hans Rosling no programa Joy of Stats a lerem também este texto do blog Gene Repórter, do Roberto Takata. Ali há esclarecimentos muito interessantes.

O vídeo de Rosling mostra um gráfico animado sobre a economia e a saúde dos países, de 1810 a 2009. Pela animação, muitos países parecem estar se tornando cada vez mais ricos e sua população com mais saúde. Minha crítica era que o gráfico apresentado por Rosling tinha um dos eixos em escala logarítmica - e, se estivesse em escala linear, as coisas pareceriam bem diferentes (figura ao lado).

Além disso, questionei a confiabilidade de dados de países em épocas em que eles não existiam, nem sequer como unidades políticas (províncias, colônias etc.). Sobre esse ponto, o Takata esclareceu sobre alguns métodos para se inferir sobre a economia de tais países mesmo nessas condições. Vale a pena reproduzir um trecho da sua explicação:
"Se tivermos o registro de vendas de, digamos, especiarias de algumas cidades importantes - tendo como base a importância econômica das especiarias, é possível se fazer um chute mais ou menos calibrado do tamanho total da economia de uma colônia (ou do 'embrião' de um país vindouro). Tamanhos de população e rendas de alguns indivíduos, p.e, são mais fáceis de se estimar. A partir dos dois é possível de se ter alguma ideia do PIB de uma região em um dado momento histórico.

Indicadores de longevidade podem ser obtidos, em tempos históricos, a partir de tábuas de registros de nascimento e morte; em locais em que tais dados não estão disponíveis, a partir do estudo forense (dentição e ossatura principalmente) e censitário (a estrutura populacional dos restos humanos indicando a constituição da população viva) de tumbas e locais de enterro."

Linear x logarítmico; crescimento x desigualdade

Quanto à diferença entre gráfico linear e logarítmico, aponta bem o Takata que, se bem interpretados, o risco de ilusões de óptica é minimizado. Certíssimo: "se bem interpretados".

O problema que vejo é que aquilo é um vídeo do Youtube. A grande massa dos internautas o vê rapidamente e não gastam tempo procurando detalhes de interpretação. Se estivesse num artigo científico, seria muito diferente. Tanto que vários amigos meus que são cientistas também se espantaram com a diferença com a versão linear, depois que leram minha postagem. Imagine-se os não-cientistas. É por isso que eu digo que o gráfico daquela forma difunde, no contexto em que foi publicado, outra coisa.

Há algo mais a esclarecer. Algumas pessoas interpretaram que eu estava negando que os países estavam ficando mais ricos em média com base em que a desigualdade entre eles está aumentando. Eu nunca fiz essa conexão. Meu objetivo foi mostrar que os dados que Rosling apresenta parecem dizer o contrário do que ele diz - e o contrário do que parecem dizer na escala logarítmica que ele escolheu para apresentá-los. Pois diz Rosling, no final da apresentação: "Consigo ver uma tendência clara no futuro com assistência, tecnologia verde e paz. É perfeitamente possível que todos possam caminhar para o canto rico e saudável." Sinceramente, não vejo isso nos dados com a escala linear. Só, parcialmente, com a escala logarítmica.


O que os dados me parecem dizer?

Sobre a tendência do gráfico em si, reparemos primeiro que, se os países mais ricos ficam mais ricos, é evidente que a média mundial fica mais rica, mesmo se a maioria dos outros se estagnar na pobreza. Até aí, é apenas um truísmo, não significa grande coisa por si só. Além disso, a evolução da renda dos países, como notou um leitor anônimo no meu blog, é, por natureza, exponencial. Logo, o gráfico teria que se esticar mesmo, por um "imperativo matemático".

No entanto, eu e Takata temos interpretações bem diferentes sobre o que os dados mostram. Vou explicar melhor o que falei no primeiro post.

Vejamos de novo os dois gráficos, logarítmico e linear (dados tirados do Gapminder). O Luís Gregório Dias teve a ideia de pensarmos não sobre snapshots do vídeo de Roslin, mas sobre gráficos mais brutos feitos com sua fonte de dados, o Gapminder. Descartemos os dados anteriores a 1900, pois são pouco representativos.

Na parte de cima, a versão logarítmica. Na de baixo, a linear.

Em primeiro lugar, é claro que em ambas a média tende a ficar mais rica. Mas há algo bem estranho entre as duas séries, logarítmica e linear.

Senão, vejamos. O que eu enxergo no gráfico logarítmico (de cima) é uma expansão do conjunto das bolinhas sem deslocamento algum da "ponta esquerda", mas com os países mais populosos tendendo a acumular-se na metade direita, mais rica. Em 2009, o bloco mais pobre, quase totalmente formado por países africanos, parece estar bastante rarefeito.

Já o que eu vejo no gráfico linear (de baixo) é exatamente o inverso: a permanência da maioria dos países acumulada na região esquerda. Na versão linear, há inclusive uma região com menos bolinhas entre o bloco pobre e o bloco rico.

É por isso que eu digo que a versão logarítmica oculta o que está acontecendo. A não ser para uma minoria absoluta que pára para gastar tempo analisando um vídeo do Youtube encontrado numa navegada na Internet.

Naturalmente, a média fica mais rica, como não poderia deixar de ser. Mas isso por si só não é suficiente. A relação entre pobreza/riqueza e qualidade de vida não é direta. Alguém da classe C hoje talvez viva melhor que muitos reis europeus da Idade Média. Mas nem por isso eles precisam estar satisfeitos. Até porque a desigualdade trabalha contra a paz. Boa parte dos conflitos mundiais atuais tem entre suas principais causas a desigualdade de renda e a frustração da expectativa de uma vida melhor a despeito da riqueza de seu país - inclusive muitos da África e do Oriente Médio. E esses conflitos, como o Takata bem observou, inclusive prejudicam a capacidade desses países de acompanhar a tendência da média.


Para acompanhar as postagens:

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