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segunda-feira, 18 de abril de 2011

Acesso livre a artigos científicos: as barreiras

O acesso livre está se espalhando pelos periódicos científicos. No Brasil e vários países da América Latina, temos o portal Scielo, que cobre todas as áreas. Até a Physical Review Letters, o principal periódico de física do mundo, começou a colocar alguns de seus artigos com acesso livre desde fevereiro deste ano (veja o editorial deles sobre isso, em PDF).

No entanto, as editorias científicas ainda resistem a aderir à nova estratégia. Há inclusive alguns refluxos (como o susto de janeiro, quando vários periódicos de medicina retiraram-se do programa Himrari - Health InterNetwork Access to Research Initiative -, da ONU que garantia acesso livre em países em vias de desenvolvimento). Um estudioso do assunto, Stevan Harnad, avalia que em 2020 apenas um quarto dos periódicos científicos terão acesso livre.

Um editorial do Scidev de 15 de abril abordou o assunto. Segundo uma pesquisa de uma comissão da União Europeia comentada no texto, o principal desestímulo para os cientistas aceitarem submeter seus trabalhos ao acesso livre é o dinheiro - muitos periódicos cobram dos autores pelo acesso livre a seus trabalhos. É o caso da Physical Review Letters citado acima. Outro motivo é que os cientistas preferem publicar nos periódicos de grande circulação, e a maior parte desses são de acesso restrito.

Cientistas ficam de olho também no número de citações de seus trabalhos, pois este é um dos parâmetros mais importantes dos sistemas de avaliação de desempenhos de pesquisadores. Foram uma ducha fria, então, os comentários que circularam na Internet sobre um trabalho de Phillip Davis (da Universidade de Cornell, nos EUA), publicado no periódico FASEB, que concluiu que artigos com acesso livre não são mais citados que os outros, apesar de obviamente serem mais lidos.

Porém, outro pesquisador, Stevan Harnad, da Universidade de Montréal, no Canadá, contestou a medotologia estatística usada por Davis em um dos comentários sob o editorial do Scidev. Em outro trabalho, publicado no ano passado, ele detectou um aumento significativo nas citações de artigos submetidos ao acesso livre.


Mas o que tem a ver acesso livre com número de citações!?

Há que se notar também que o número de citações não é nem de longe a principal vantagem do acesso livre. E nem poderia ser, se o objetivo primordial é garantir acesso a quem não pode pagar. Essas pessoas, em princípio, vivem em países com pouca tradição científica e publicam muito menos trabalhos que os do Primeiro Mundo. Veja-se, por exemplo, os mapas sobre a distribuição geográfica das citações científicas que comentei em outra postagem. É surpreendente que mesmo assim Harnad tenha detectado um aumento no número de citações, ou mesmo que Davis não tenha detectado uma diminuição.

A importância do acesso livre fica patente se lembrarmos que os problemas típicos dos países mais pobres muitas vezes não são os países mais ricos, possuindo especificidades próprias - e, portanto, necessitam de pesquisas feitas dentro desses países. Mas essas pesquisas são baseadas, como sempre, em pesquisas anteriores, a maior parte feita no Hemisfério Norte. Sem acesso a elas, em instituições que não podem pagar a assinatura, as pesquisas ficam extremamente difíceis. Enquanto isso, em outros lugares ela é feita na velocidade da Internet...

Além disso, não são apenas cientistas que usufruem dos artigos. Estudantes, engenheiros, gente que trabalha com saúde, jornalistas, divulgadores científicos, gente curiosa - muitas outras pessoas podem usufruir dele.

Desta forma, é preciso aperfeiçoar as estratégias de difusão do acesso livre nos periódicos científicos e também rever os métodos de avaliação de desempenho de pesquisadores - a se julgar pelos resultados da pesquisa de Davies, eles são um entrave para a adesão de cientistas ao acesso livre.
Imagem: Flickr de Gideon Burton

2 comentários:

  1. A discussão é bastante interessante. Me parece que, em Física, a questão do "acesso livre" foi bem equacionada com a criação do arXiv. Em Matéria Condensada, por exemplo, a grande maioria dos papers são disponibilizados ao público (via arXiv) já quando são submetidos, o que não ocorre em áreas como Biologia por exemplo. E quando os artigos são publicados, muitos autores optam por colocar a versão final no arXiv (com a respectiva referência ao artigo publicado), o que é, em geral, permitido pelas revistas.

    Esse tipo de solução mantém a "citação" (que é para o artigo publicado) separado do "acesso" (aberto, no arXiv). Assim, um autor tem o incentivo tanto de buscar a publicação em uma revista de prestígio (como Physical Review Letters) mesmo que ela seja paga e, ao mesmo tempo, disponibilizar o seu trabalho para quem não tenha recursos para pagar a assinatura.

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  2. Sim, foi ótimo você ter complementado o texto falando sobre o ArXiv. Ele tem uma vantagem adicional, que é o acesso antes da publicação, que pode ter que esperar vários meses de revisão pela equipe editorial. Até essa revisão ser completada, muitas pessoas já leram e sugeriram melhoras no trabalho. Há casos em que assuntos quentes levaram a sequências frenéticas de trabalhos no ArXiv, e a desenvolvimentos rapidíssimos do assunto, coisa impossível se fossem esperar a publicação formal. O curioso é que o ArXiv foi originalmente pensado para essas últimas funções, não para dar acesso a países pobres.

    À primeira vista, parece que ele tem a desvantagem de não separar o joio do trigo tão bem quanto nas publicações formais. No entanto, a alta intensidade do "peer-review informal" que se segue a uma publicação lá parece neutralizar esse efeito, pelo menos nos assuntos mais quentes.

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